Texto by Lygia Macedo    

A enfermeira da vez é Carleara Weiss, que fez sua graduação e mestrado na Universidade Federal Fluminense e conquistou seu lugar na State University of New York ao fazer seu doutorado e pós-doutorado em Buffalo, NY. 

    Me familiarizei com seu trabalho quando pesquisava sobre doutorado em Enfermagem, algo de muita importância para mim. Encontrei uma entrevista da Dra. Weiss e logo após passei a segui-la em suas redes sociais. Entrei em contato e, muito educada, ela me contou sobre uma live que participaria no Instagram. Eu assisti encantada e desde então me sinto muito inspirada por essa Incrível Enfermeira!


· Quais foram os maiores desafios que você enfrentou durante a graduação? E no seu local de trabalho?

    Durante a graduação os maiores desafios foram sair do interior e mudar para a “cidade grande”, adaptação longe de casa, dividir apartamento com colegas, trabalhar enquanto estudava, sem carro, sem dinheiro.

    No local de trabalho no Brasil – conseguir implementar adaptações necessárias para a segurança do paciente e para a valorização da prática de Enfermagem sendo tão jovem (conclui a Graduação com 22 para 23 anos).

    No local de trabalho nos EUA – adaptação com a rotina de trabalho diferente, um fluxo diferente para a pesquisa e prática, e saudade do Brasil. Sair do Brasil, aonde era professora e lecionava há mais de cinco anos, e tinha uma carreira estabilizada e voltar a ser aluna em um outro país foi uma mudança drástica, mas valeu a pena.

· Poderia nos contar mais sobre a sua área de atuação?

    Sou Enfermeira Cientista nas áreas de Geriatria e Medicina do Sono. Trabalho tanto com pesquisa clínica (com pacientes no hospital, centros comunitários, instituições de longa permanência, hospice) quanto com pesquisa laboratorial e experimental (amostras de sangue, plasma e outros tecidos e ratinhos e camundongos).

    Meu objetivo é melhorar a qualidade de vida do idoso através de intervenções não – farmacológicas para o cuidado dos distúrbios do sono. Sabemos que o distúrbio do sono é muitas vezes um precursor de problemas comuns ao envelhecimento tais como demência, depressão, perda da capacidade funcional tanto física quanto cognitiva. Sabemos também que melhorar a qualidade do sono é essencial devido ao impacto negativo da privação na performance de atividades de vida, função cognitiva, metabolismo, entre outros. Por exemplo, o acúmulo cerebral de beta amiloides que vemos nos pacientes com Alzheimer está diretamente relacionado com distúrbio do sono e vice-versa.

    Por isso, minha pesquisa busca entender os mecanismos do sono que nos tornam resilientes e aptos a envelhecer de forma saudável. Faço isso com os modelos in vitro e pesquisa experimental e aplico esses achados em intervenções na pesquisa clínica com idosos. Espero que minha pesquisa transforme o cuidado geriátrico e assegure envelhecimento e sono saudáveis.

· Como é visto o doutorado em Enfermagem?

    A atuação do Enfermeiro é pautada pela ciência, então nada mais normal do que ter um Enfermeiro fazendo doutorado. A história da Enfermagem passa pelo conhecimento baseado em evidências, desde Florence Nightingale. No entanto, no Brasil (e nos EUA, em menor escala), ainda existe muita confusão sobre isso. Muitas pessoas desconhecem o papel do Enfermeiro Doutor e Cientista e existem muitos estereótipos sobre a nossa profissão que precisam ser derrubados.

    Nos EUA existem duas modalidades de doutorado em Enfermagem – um direcionado para a prática clínica que habilita atuação em prática avançada de Enfermagem, ter seu próprio consultório ou trabalhar de forma mais autônoma em hospitais e clínicas, prescrevendo cuidados, tratamentos e exames. A segunda modalidade é direcionada para pesquisa experimental ou clínica e habilita o trabalho em centros de pesquisa, universidades e indústrias. O meu doutorado foi direcionado para pesquisa. Detalhe- diferente do Brasil, nos EUA não é preciso ser professora para ser pesquisadora ou cientista.

· Quais processos você teve que enfrentar para fazer doutorado fora do Brasil? Foi rápido? Você sempre desejou estudar em outro país?

    Foram vários processos que demoraram entre 1 e 2 anos para serem concluídos. Não é rápido, não é simples e precisa ter persistência. De forma resumida, é preciso fazer (1) uma prova de conhecimentos gerais (GRE), estilo ENEM. As universidades têm uma pontuação mínima ou ponto de corte para cada curso. Além disso, é preciso (2) comprovar proficiência em inglês através dos exames TOEFL ou IELTS, esses também têm ponto de corte. Essas duas etapas preliminares são essenciais para que a universidade americana saiba que você consegue acompanhar as aulas. Depois disso, é preciso (3) fazer tradução juramentada dos diplomas e históricos, (4) submeter cartas de interesse, cartas de recomendação e projeto de pesquisa, (5) submeter currículo, (6) fazer entrevistas (7) solicitar bolsa de estudos e por fim, (8) aguardar aceite. Coloco essas etapas aqui de forma resumida e fora de ordem cronológica. Este texto do Blog Brasileiras Pelo Mundo, escrito pela minha colega, Dr. Paula Martins, fala sobre os detalhes do processo para doutorado ou mestrado no exterior.

· Você pode nos contar sobre o seu trabalho na BRASCON?

    Meu trabalho na BRASCON é promover o networking e desenvolvimento profissional de jovens cientistas brasileiros nos Estados Unidos. A maioria dos participantes da BRASCON é brasileiro, residente no Brasil ou EUA, cursando mestrado, doutorado, postdoc, ou trabalhando em pesquisa, inovação e indústria.

    A BRASCON foi criada em 2014, com intuito de formar o networking e oferecer uma conferência que englobasse desenvolvimento profissional, palestras com pesquisadores brasileiros renomados, networking e acolhimento. Somos uma conferência interdisciplinar e multiprofissional, e temos um grande foco no empoderamento do brasileiro no exterior. Nossa missão é fortalecer essa comunidade. Como resultado, tivemos 3 conferências, mais de 250 participantes, mais de 60 trabalhos apresentados, premiações para os melhores trabalhos e presença de palestrantes como Duilia de Mello, Miguel Nicolelis, Marcelo Gleiser, Roberto Alvarez, Angela Olinto, entre outros.

· De que forma/ que mudanças estão ocorrendo no dia a dia do seu local de trabalho desde que iniciou a atual pandemia de COVID-19? Novas demandas? Novos protocolos? Desafios? Preocupações?

    No momento (outubro de 2020), estamos de volta ao trabalho com restrições de distanciamento, uso de máscaras e check-in diários. A universidade adotou medidas rígidas para que todos os alunos, professores, pesquisadores e demais funcionários reportem diariamente seu estado de saúde através de um check-in online. Além disso, passamos por uma triagem diária ao chegar ao centro de pesquisa (medical campus). A universidade também implementou testes rápidos e todos os funcionários e alunos são convocados a serem testados de forma aleatória. Existem regras e multas para aqueles que não seguem as normas.

    Outras mudanças foram implementadas para garantir o distanciamento físico em salas de aula, laboratórios e escritórios. Quanto a pesquisa, os protocolos foram adaptados para garantir segurança e distanciamento, proteger os pacientes e participantes, e todos os pesquisadores e alunos.

· Ainda sobre a pandemia, como está a questão da biossegurança? Os EPIs necessários estão disponíveis? São suficientes para atender a demanda de toda a equipe?

    Tivemos limitação de EPIs em março, bem no começo da pandemia. Logo depois, isso foi normalizado e hoje temos mais que o suficiente para a demanda.

· Qual é sua visão a respeito da valorização da Enfermagem durante a pandemia?

    É ótimo ver o reconhecimento da profissão, porém é uma pena que tantas pessoas tiveram que sofrer para que esse reconhecimento chegasse. Uma pena também que essa “tsunami” de reconhecimento tenha desaparecido, pois hoje, não temos tantos aplausos.

    Essa valorização momentânea é preocupante. Somos vistos como heróis, porém não acredito que isso tenha impacto no reconhecimento profissional. Acho arriscado, inclusive. Heróis não recebem salários, não tem contas a pagar, são colocados em pedestais e trabalham exaustivamente em condições acima de qualquer limite humano. Ser chamada de herói e receber aplausos por realizar meu trabalho com maestria é ótimo, mas não agrega valor as lutas para o reconhecimento profissional.

    Enfermeiros são profissionais com capacidade intelectual e científica que precisa ser reconhecida com salários adequados, carga horaria digna, autonomia e respeito.

· Como você acha que os profissionais da Enfermagem podem combater a onda de fake news que está afligindo toda a população?

    Podemos combater essa onda disseminando informações corretas, com fontes confiáveis e fundamentadas pela ciência.

· Você atualmente reside nos Estados Unidos, um país conhecido por exercer enorme discriminação. Como você lida com isso no seu ambiente de trabalho?

    O racismo é um problema crônico nos EUA. Cada dia é um desafio diferente, pois nunca se sabe de onde o racismo vai surgir, como ele irá se manifestar. Tento manter a calma e estabelecer limites. Não tolero racismo. Denuncio quando acontece e exijo providências, principalmente quando acontece no local de trabalho.

· Alguma dica para as Enfermeiras que almejam um local na ciência?

    Minha dica é: não desistam diante dos desafios. Toda profissão tem dificuldades, não é fácil se estabelecer. Você precisará de resiliência e persistência. Encontrar um mentor ajudará muito nesse processo. Não desanime!

· Por fim, gostaria de deixar suas redes sociais?

Grata pela oportunidade de compartilhar minha experiência. Grande abraço, Dr. Weiss.

Minhas redes:

Instagram

@carleara (pessoal)

@dr. weiss_sleep (Sono e Ciclo Circadiano)

@brasconference (BRASCON)

Website 

www.carlearaweiss.com e www.brasconference.org

Email

[email protected] e [email protected]


    Inspiradora, não é mesmo? É admirável ver mulheres, especialmente enfermeiras, alcançando lugar tão importante dentro da ciência. O nosso desejo é que essa série de entrevistas influencie mais e mais graduandos a continuarem se encantando pela bela ciência que é a Enfermagem e a seguir seus sonhos e objetivos profissionais com determinação, tal qual os Incríveis Enfermeiros que nos dão a honra de participar desse projeto.